Como o Trauma pode Afetar seu Filho

09-04-2011 11:40

Quando os sintomas não são identificados a tempo, tragédias como a de Realengo podem levar ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 08/04/2011 16:57

 

 

A Escola Municipal Tasso de Oliveira, no Rio de Janeiro, foi o palco da tragédia que deixou 12 crianças mortas e outras 12 feridas na manhã de ontem. Enquanto o atirador Wellington Menezes de Oliveira, de 24 anos, matava e feria os estudantes, 400 alunos de 9 a 14 anos tentavam escapar ou se esconder. Alguns se fingiram de mortos para salvar a própria vida, como fez L., de 13 anos. Ela sobreviveu, mas como o episódio vai influenciar a vida dela e de todos os sobreviventes?
 

A situação traumática passada pelos estudantes pode gerar muita angústia. Mas, de acordo com Carolina Zadrozny da Costa, médica psiquiatra da Infância e Adolescência do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), em São Paulo, nem todos vão desenvolver o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Diversos fatores podem colaborar para o surgimento do problema. Por isso, os pais dos alunos da Tasso de Oliveira devem redobrar a atenção em relação ao comportamento dos filhos nos próximos dias.

Passar por uma situação traumática faz com que desenvolvamos memórias repetitivas do ocorrido. Muito vívidas, elas podem nos fazer reviver as sensações daquele momento. “É como se estivéssemos realmente passando novamente pela situação, o que pode levar as crianças a chorarem muito, passarem um mal-estar físico acarretado pela ansiedade e se sentirem aterrorizadas novamente”, diz Carolina. Outro sintoma é a apatia, com possibilidade de desenvolver até mesmo uma fobia social, e a irritabilidade, com mudanças frequentes de humor. Mas cada caso é diferente do outro e cada criança terá diferentes reações.

Foto: Helio Motta

Aluno em frente ao muro da escola, coberto de flores para homenagear as vítimas



Segundo o psicólogo Julio Peres, doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP e autor do livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade Ensinam” (Editora Roca) (leia entrevista com ele aqui), uma criança também pode, com as memórias sensoriais do ocorrido, passar a se assustar com facilidade ao ouvir um barulho mais forte, como uma porta batendo. “Esse tipo de acontecimento pode suscitar uma resposta de hiperestimulação, como se o trauma fosse acontecer novamente”, afirma. Além disso, pesadelos podem se tornar recorrentes – como réplicas da memória traumática –, assim como a insônia, consequência de um estado de alerta contínuo.

Resposta universal

Segundo Julio, não existe uma resposta universal para o trauma. Por isso, uma criança que presenciou a morte do colega – como C., de 12 anos – não necessariamente vai sofrer mais do que aquelas que vivenciaram a correria para escapar e ouviram os gritos de desespero. “A configuração ou não do trauma depende das representações feitas pelas crianças para o que aconteceu”, diz Peres. “A superação está relacionada à atribuição de significado para os fatos”, completa. Carolina concorda. Para ela, crianças como C. correm mais riscos de desenvolverem o transtorno, mas não há um padrão. E os fatores pessoais contam – e muito – para o desenvolvimento do estresse pós-traumático.

Algumas crianças são mais ansiosas ou inseguras que outras. De acordo com isso, cada uma terá uma reação diferente. O suporte familiar também conta. Famílias muito apavoradas com o ocorrido podem acabar isolando a criança do mundo exterior e, consequentemente, reforçando o medo. Por outro lado, não reconhecer o sofrimento da criança e evitar o assunto também não é o caminho. “É necessário um meio termo”, diz Carolina.

Os pais devem acolher as crianças e simplesmente ouvir o que os filhos têm a dizer. De acordo com Julio, é muito importante dar oportunidade à criança de colocar em palavras as suas emoções para, assim, entrar no processo de representação do ocorrido. Este é o primeiro passo. “Depois é preciso garantir aos filhos que o ambiente agora é outro, elas estão seguras e aquilo não acontecerá novamente”, diz. Mas, para poder transmitir esta mensagem, os pais devem acreditar nela. Caso contrário, a criança ficará mais ansiosa por perceber esta incoerência na comunicação. “Se a embalagem emocional não estiver de acordo com o conteúdo, o efeito é muito pior”, completa.

É natural que diferentes reações de estresse pós-traumático sejam apresentadas, mas somente por quatro semanas. “Se a criança continuar tendo sintomas depois deste período, os pais devem procurar a ajuda de um profissional. A probabilidade de um transtorno se configurar aumenta muito depois disso”, explica.

Volta às aulas

“Se as crianças não quiserem voltar para a escola tão rapidamente, os pais devem respeitar essa vontade”, recomenda Julio. Desde que isso não se prolongue por muito tempo, não há problema. Também é fundamental os pais estarem tranquilos em relação às medidas de segurança que serão tomadas pela escola e pela prefeitura do Rio de Janeiro. Aos poucos, as crianças devem desenvolver novas associações em relação ao cenário do trauma e, assim, superá-lo.

Essas novas memórias vão substituir a força das memórias traumáticas e desconstruí-las. Por isso, depois de alguns dias, os pais devem incentivar os filhos a voltarem para a escola. “A angústia precisa ser diminuída em um processo gradual para a criança ser capaz de retomar suas atividades”, diz Carolina. Estar disponível a ouvir e identificar as dificuldades dos filhos possibilita um entendimento maior do que eles estão vivendo. “Se em princípio a criança tem medo de ir para a escola, talvez ela consiga se os pais se dispuserem a levá-la, por exemplo. É preciso identificar como é possível auxiliá-los”, conta a especialista.

Superação e atenção

O acesso a exemplos de superação também pode colaborar para a superação das crianças da escola de Realengo. “Todos têm neurônios-espelho envolvidos na observação de comportamentos para observar o próprio repertório e emitir comportamentos similares”, diz Julio. Os exemplos, neste momento, representam uma perspectiva de saída do trauma. Elas podem chegar à conclusão mais óbvia (e mais saudável): “se ele superou, eu também posso”.

Também não se pode ter medo de discutir o assunto em casa. “Quanto antes o assunto for abordado, melhor a evolução das crianças”, diz Carolina. Se os sintomas não forem percebidos rapidamente, podem se agravar e levar até a um quadro depressivo. “Chega-se ao TEPT quando os sintomas trazem muito impacto na vida da pessoa que sofreu um trauma”, explica ela. E isso é tudo que as crianças da escola de Realengo não precisam.

 

Fonte: www.ig.com.br

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